Bolsonarismo deve continuar como uma das principais forças políticas do país.
Qual o futuro do bolsonarismo nos próximos anos?
Jair Bolsonaro (PL) saiu derrotado em sua tentativa de reeleição. Mas os mais de 58 milhões de votos recebidos pelo capitão reformado, 15 governadores aliados a ele vitoriosos e mais de uma centena de parlamentares eleitos pelo PL para Câmara e Senado mostram que o bolsonarismo deverá seguir vivo nos próximos anos como uma das principais forças políticas do país.
O que esperar daqui para a frente? Como será a atuação da bancada bolsonarista no Congresso sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? A direita terá capacidade de se manter coesa uma vez fora do Executivo? Conseguirá manter eventuais mobilizações nas ruas?
E Bolsonaro: permanecerá como principal líder do campo da direita, com aliados como Sergio Moro, Tarcísio de Freitas e Romeu Zema já sendo percebidos como possíveis sucessores do atual presidente e potenciais candidatos em 2026?
A BBC News Brasil ouviu o cientista político João Feres Júnior (UERJ) e a antropóloga Isabela Kalil (Fesp), estudiosos do bolsonarismo. E o deputado reeleito Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e o cientista político Antônio Flávio Testa (UnB), apoiadores de Bolsonaro e pensadores da direita, para entender os rumos desse campo político nos próximos anos.
As eleições de 2022 e a força da direita
Diante da expectativa de parte da esquerda de que Lula pudesse ser eleito já no primeiro turno, o país se deparou no 2 de outubro com uma realidade muito diferente: Bolsonaro com uma eleição bastante superior ao que sugeriam as pesquisas eleitorais e um forte resultado de candidatos apoiados por ele entre governadores, deputados e senadores.
Essa eleição revelou que é preciso pensar o bolsonarismo como um fenômeno que transcende a figura de Jair Bolsonaro”, diz Kalil.
Ela cita como exemplo o número recorde de eleitos para o Congresso Nacional e assembleias com passagem pelas Forças Armadas e pelas polícias, grupo conhecido como “bancada da bala” — serão 103 representantes na próxima legislatura, entre deputados estaduais, federais e senadores, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado em 25 de outubro.
No Senado, ela chama a atenção para os ex-ministros de Bolsonaro que ganharam espaço — foram cinco: Damares Alves (Republicanos-DF), Tereza Cristina (PP-MS), Rogério Marinho (PL-RN), Marcos Pontes (PL-SP) e Sergio Moro (UB-PR) —, o que pode ser relevante no processo de indicação de futuros nomes para a Suprema Corte.
Coesão no Congresso é improvável
Diante da força revelada nas urnas e da capilaridade do bolsonarismo na sociedade, através de sua rede de comunicação própria e do apoio das igrejas, a dúvida agora é se essa coesão se mantém sem Bolsonaro à frente do Executivo federal.
Com relação ao Congresso, a avaliação é praticamente unânime: o bloco conservador tende a perder força sob Lula, com políticos do Centrão hoje alinhados a Bolsonaro migrando para a base do petista, por terem uma atuação mais fisiológica (isto é, baseada em interesses pessoais) do que ideológica.
O bloco formado por PL, PP e Republicanos, os três partidos do Centrão mais ligados a Bolsonaro, elegeu 187 deputados para a legislatura que tem início em 2023.
A título de comparação, o bloco de partidos de esquerda (PT, PCdoB, PV, PDT, PSB e Psol) elegeu 125 deputados. Para aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), por exemplo, são necessários três quintos dos votos dos deputados (308).
Disputa pela liderança à direita
Com Bolsonaro fora da Presidência, a disputa pela liderança no campo da direita será inevitável, avaliam tanto Feres e Kalil, como Orleans e Bragança e Testa.
Mas dentro desta aparente concordância há visões distintas.
O pesquisador da Uerj, por exemplo, vê dificuldade para outro líder conseguir agregar os diferentes grupos da direita como conseguiu Bolsonaro.
Já o deputado do PL e o cientista político conservador da UnB veem o governo Bolsonaro como um governo “de transição” rumo ao predomínio da direita no país e avaliam que a liderança do campo poderá ser ocupada à frente por políticos em ascensão como os governadores eleitos em SP, Tarcísio de Freitas, e em MG, Romeu Zema.
O Bolsonaro mostrou que há a possibilidade de fazer uma síntese, por mais que seja uma síntese altamente tóxica para a democracia brasileira. Só que isso funciona para ele muito bem porque, apesar dos seus múltiplos defeitos, ele é um cara carismático. Ele consegue se comunicar com o público dele de uma forma muito direta”, diz João Feres Júnior.
O cientista político avalia que Sergio Moro é um exemplo de político da direita com pretensões presidenciais que pode ter essa dificuldade de reproduzir a estratégia bem sucedida de Bolsonaro.
‘Governo de transição’
“Temos uma evolução e o presidente [Jair Bolsonaro] reflete ainda a transição de um modelo social-democrata, para um modelo democrata cristão liberal”, defende Orleans e Bragança.
Se a vontade da direita é a vontade que será predominante em termos de estilo de representante, a sociedade ainda não está 100% lá em vários quesitos. No quesito econômico a sociedade não está vinculada a uma proposta 100% liberal. Eu sinto isso porque sou muito mais liberal do que a postura do governo”, diz o deputado, que vê criticamente a expansão do Auxílio Brasil sob Bolsonaro, por acreditar que a direita deve reduzir a dependência do Estado e estimular a livre iniciativa, e que a assistência social deveria ser restrita aos “incapazes”.
Ele cita Tarcísio de Freitas como exemplo. “Se fizer uma boa gestão em São Paulo, e é muito provável que ele vá fazer, porque ele é um grande tocador de obras, um grande executivo, ele pode se cacifar para ser um sucessor de Bolsonaro”, avalia.
E outro é o Zema, que fez uma coisa impressionante lá em Minas Gerais, recuperou o segundo Estado mais rico do Brasil após gestões desastrosas do PSDB e do PT. Então ele tem um potencial muito grande. Ele é uma figura que não é um radical de direita, é um empresário, um empreendedor, um gestor. Então esse tipo de personagem pode sim comandar uma grande transformação desse país. E outros podem ainda aparecer por aí”, acrescenta Testa.
Questionado sobre a dificuldade que governadores do Sudeste enfrentaram desde a redemocratização ao ambicionar a Presidência — a exemplo dos tucanos José Serra, Geraldo Alckmin, João Doria e Aécio Neves —, Testa concorda que o histórico não é favorável.
Até o fechamento dessa matéria, o Presidente Jair Bolsonaro ainda não havia se manifestado quanto ao resultado das eleições.
Fonte: BBC News