O LEGADO DE CAMILO COLA
Um dos maiores homens de negócios da história do Brasil
Faleceu no dia 29 de maio de 2021, aos 97 anos de idade, o Comendador Camilo Cola. Empresário, ex-deputado federal e um dos maiores homens de negócios da história do Brasil, que construiu um verdadeiro império e se tornou o dono da maior empresa de transporte rodoviário de passageiros do país, a Viação Itapemirim.
Camilo Cola nasceu em Conceição de Castelo aos 26 de Julho de1923. Filho dos imigrantes italianos, Pedro Cola e Virgínia Sossai, que chegaram ao Sul do Espírito Santo por volta 1888 e tiveram 13 filhos. Foi lavrador, lavador de carros e, com 18 anos, se alistou no Exército e integrou o pelotão de combatentes da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que lutou na 2ª Guerra Mundial.
Entre as atividades empresariais desenvolvidas, além do transporte de passageiros e carga por via rodoviária, Cola também atuou no transporte aéreo de cargas, concessionárias de veículos, fazendas, empresas de turismo, postos, indústria, entre outros, num leque variado de atividades.
Além das atividades empresariais, também esteve envolvido na política e levou sua experiência administrativa para a Confederação Nacional dos Transportes Terrestres, onde teve marcante gestão, principalmente durante os trabalhos da Constituinte, defendendo os interesses dos transportes nacionais. No ano 2000 foi eleito deputado federal e permaneceu até 2008. Correligionário do então Partido do Movimento Democrático Brasileiro, atual MDB, retornou à bancada federal entre os anos de 2011 e 2015.
Em novembro do ano passado, Cola foi condecorado com a Medalha do Mérito Mauá, em cerimônia realizada em Brasília, uma homenagem do Ministério da Infraestrutura para quem de alguma forma contribuiu para o desenvolvimento do setor de transportes.
Sua paixão pelo trabalho, capacidade de antever o futuro, parcimônia no uso dos recursos, ousadia com responsabilidade, espírito de equipe e capacidade de liderança era o segredo do seu êxito!
O êxito de Camilo Cola pode ser creditado a vários fatores, um dos mais importantes foi sempre manter contato permanente com os clientes, identificando suas necessidades e aproveitando as queixas e sugestões para melhorar a empresa e administrá-la cada vez de forma mais eficiente. Além disso, sua paixão pelo trabalho, capacidade de antever o futuro, parcimônia no uso dos recursos, ousadia com responsabilidade, espírito de equipe e capacidade de liderança são outras características inquestionáveis. Mas a força deste empresário, a mola mestra de sua história, foi a sua história familiar. Os princípios que formaram sua personalidade, a sorte na companheira que encontrou, disposta a participar da história desse homem, cujo legado e importância para a integração do Brasil e não apenas da história dos transportes em nosso país, atravessará a fronteira do tempo.
Homenagem da Abrati aos Pioneiros do transporte rodoviário de passageiros: Da esquerda para a direita – Em pé: Jelson da Costa Antunes – Auto viação 1001; José Augusto Pinheiro – Real Expresso; Aylmer Chieppe – Viação Águia Branca; Wander Chieppe – Viação Águia Branca e Abílio Pinto Gontijo – Empresa Gontijo de Transportes. Sentados: Francisco Sebastião Noel – Viação Salutaris e Turismo; Affonso Oger – Expresso Itamarati; José Moacyr Teixeira – Viação Planalto;Arthur Bruno Schwambach – Real Alagoas de Viação; João Miguel Mansur – Empresa Unida Mansur & filhos; Camilo Cola – Viação Itapemirim e Dimas José da Silva -Viação Presidente.
O corpo de Camilo Cola foi enterrado em sua fazenda Pindobas, em Venda Nova do Imigrante, ao lado do corpo de sua primeira esposa, Ignez Massad Cola, que morreu em 2008. Atualmente ele era casado com Maria Luzia Gonçalves Borges. Camilo deixa dois filhos, Ana Maria Cola e Camilo Cola Filho.
Em nota, a família Cola disse que “neste momento de perda e dor, queremos agradecer a todas as manifestações de condolências e pesar pelo falecimento de nosso inesquecível pai, avô e grande modelo de vida, Camilo Cola. Que sua história continue impregnada em nossa memória e nos conduza como guia e exemplo”.
SEGUNDA GERRA MUNDIAL
Aos 18 anos de idade o jovem Camilo Cola se alistou no Exército num regimento de infantaria, onde sua experiência com mecânica e direção eram úteis, e integrou o pelotão de combatentes da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que lutou na 2ª Guerra Mundial e entrou para a história após expulsar os alemães de Monte Castello, no Norte da Itália, em 1945.
Foi justamente a experiência da guerra e o dinheiro que economizou nesse período, que deram a Camilo os ingredientes para iniciar sua trajetória de sucesso no setor de transporte de cargas e depois passageiros. Fluente em italiano, ele passou uma semana em Florença, alojado na garagem da empresa italiana de ônibus, onde ficava observando com interesse aqueles veículos e refletindo sobre o transporte de passageiros na Itália, em que a infraestrutura de rodovias era excelente para os padrões da época e comparava com a realidade brasileira. Teve acesso aos documentos da companhia, os quais lia com grande interesse e começou a refletir sobre o futuro do transporte no Brasil, onde as ferrovias não atendiam as necessidades de um país continental.
Ao mesmo tempo em que economizava seu soldo, Camilo Cola vendia os cigarros da sua cota, que todos os soldados tinham direito, bem como outras mercadorias que comprava dos soldados para a população, que tinha dinheiro, mas não encontrava os produtos. Assim criou seu capital de giro e recursos para comprar seu primeiro caminhão quando regressou da guerra. Sua experiência na guerra, além de fundamental para seu futuro como empresário, marcou sua vida como ser humano e Cola retornou com frequência à Itália, como em abril de 2013, para uma série de eventos comemorativos dos 60 anos da FEB.
Fotos do acervo pessoal.
O PRIMEIRO CAMINHÃO
Ao retornar ao Brasil, com 22 anos de idade, o jovem de origem humilde procurou o amigo Fued Nemer, que lhe emprestou a quantia necessária para completar o valor que juntou durante a guerra e assim adquirir seu primeiro caminhão, em 1946. A compra do Ford Hercules foi facilitada porque o governo decidiu premiar os ex-pracinhas que tinham participado da guerra, dando a eles prioridade na aquisição desse tipo de veículo. Camilo Cola aproveitou a chance, trocou os dólares pelo veículo novinho e começou a transportar cargas e passageiros. Ao mesmo tempo, procurou outros ex-pracinhas e estimulou-os a comprar e colocar à venda, por seu intermédio, os caminhões a que tinham direito. Conseguiu ganhar mais um bom dinheiro com essas operações.
Em fins de 1948, usou o lucro obtido para associar-se a um comerciante local na criação da Empresa de Transporte Autos – ETA. Ela tinha um único ônibus e se dedicou ao transporte de passageiros entre Castelo e Cachoeiro. O ônibus solitário foi multiplicado por três no ano seguinte e em 1950 a frota já era de dez veículos. Mais um ano e a ETA partia para a fusão com outras duas empresas de ônibus, surgindo então, em 4 de julho de 1953, a Viação Itapemirim Ltda.
No seu livro “A Estrada da Vida”, o empresário conta que conseguiu nesse entretempo a representação da Goodyear e, nas caminhadas noturnas que fazia com sua esposa Ignez, pelas ruas de Cachoeiro, como quase ninguém possuía garagem, ao encontrar os carros estacionados na rua, colocavam nos pára brisas dos veículos com pneus carecas um pequeno anúncio, informando: “Vendem-se pneus novos da Goodyear. A bom preço. À vista ou financiado”.
OS AMARELINHOS DA ITAPEMIRIM
A Viação Itapemirim foi fundada em 4 de julho de 1953, no Espírito Santo, com a linha Castelo – Cachoeiro de Itapemirim. A frota percorria, na época, apenas 100 mil quilômetros por mês. No início eram apenas 16 ônibus e 70 funcionários.
Ainda na década de 50, Cola decide criar o próprio parque de manutenção, inspirado em dois empreendimentos de grande porte feitos na África do Sul por duas empresas inglesas de transporte de cargas. Essa iniciativa do empresário, cuja fama já ultrapassava as fronteiras do seu Estado, foi fundamental para o desenvolvimento da Itapemirim e das inovações que o grupo trouxe para o setor de transporte de passageiros.
No parque de manutenção, a Itapemirim começou a desenvolver novas carrocerias para ônibus, ampliando os bagageiros, tão importantes para os passageiros brasileiros que carregavam muita bagagem e os comerciantes que precisavam de espaço para as mercadorias. As modificações foram tão bem-sucedidas que começaram a ser adotadas pela Mercedes Benz. Era a “Camilo Service”, ensinando os alemães a trabalhar no mercado brasileiro.
Em 1963, a frota já chegava a 100 veículos, isso numa época em que as estradas, em sua maioria, continuavam sendo de terra, e não havia ônibus adequados para operar linhas de longa distância.
Em 1965, sempre em busca de novos conhecimentos, Camilo foi com a esposa para os Estados Unidos, onde passou a conhecer em detalhes como funcionava o sistema de transportes rodoviários no país. Na época, foi recebido na Greyhound, a maior empresa do setor no mundo, então com 4.000 ônibus. A partir dessa viagem Camilo estabeleceu meta de 3.000 ônibus, aproveitando que o governo sinalizava que a interiorização do país era inevitável e seriam investidos muitos recursos na ampliação da malha rodoviária. Os anos que vieram provaram que a interpretação do futuro de Cola estava certa e a Itapemirim superou a própria Greyhound.
Foi em 1967 que a empresa ganhou nova identidade visual, com destaque para a cor dos ônibus que ficaria conhecida como “amarelo Itapemirim”.
Em 1970 a Itapemirim já possuía 600 veículos, superou os 1.500 em 1980 e chegou a quase 1.700 em 1990. Em 1976 começou a produzir os ônibus de três eixos, os chamados Tribus, que foram um grande sucesso pelo conforto e vantagens que teve após a lei da balança, que determinava um peso máximo por eixo.
Em fins de 1973, assumiu o controle da Nossa Senhora da Penha, que abriu as portas para o mercado da região Sul e representou um grande salto na empresa, já que a Penha possuía frota equivalente a metade da Itapemirim. A aquisição teve repercussão internacional. Em 1980 entrou na linha Rio x São Paulo, ao adquirir as linhas da Única. Com os Tribus novos e muito confortáveis, encontrou o diferencial para enfrentar a concorrência das competentes Expresso Brasileiro e Cometa. Em 1982 a Itapemirim chegou a ter metade do mercado mais importante do país: a ponte rodoviária.
Em 1995 a Itapemirim lançou o Starbus, ônibus executivo. Em 1998 chegou o Golden Service, com conforto do leito, ar-condicionado e tarifa de executivo. Depois vieram o certificado ISO 9002, a venda pela internet, a revista “Na Poltrona” e várias outras inovações.
O sucesso da Itapemirim tornou Camilo Cola um dos maiores empresários do setor de transportes do mundo e um dos grandes responsáveis, juntamente com outros empresários do mesmo setor, pela integração do Brasil.
Primeira garagem da Viação Itapemirim em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Fonte: IBGE
Depoimentos
“Tive uma relação muito boa com meus pais e tenho o meu pai na mais alta estima. Sou grata por tudo o que ele me deu e, principalmente, pela educação e pelos ensinamentos de vida. Ele nos deixou um grande legado de trabalho e dedicação, nos ensinou o valor do trabalho. Além do amor de filha, sempre tive muito respeito e admiração por ele e por tudo o que ele fez, pelo grande empresário que se tornou. A pandemia nos afastou um pouco e a última vez que estive com ele foi no final de 2019, mas nos falávamos por telefone com frequência e estava programando uma visita para junho. Infelizmente não deu tempo, nem do enterro consegui participar, o que me machucou muito, mas levarei sempre comigo as lembranças de um pai presente que soube nos deixar uma bela referência de família”.Ana Maria Cola,filha.
“Aos 19 anos tive meu primeiro trabalho de carteira assinada na Viação Itapemirim. Comecei na área de comunicação e aos poucos aproveitando as oportunidades. Em 1982 o Sr. Camilo me chamou para ser funcionário dele e da esposa na vida particular. Trabalhei diretamente com eles até seus últimos dias de vida. O Sr. Camilo foi um homem perspicaz e dava oportunidade de crescimento aos funcionários, mas também respeitava a limitação de cada um. Ele me ensinou muito e sempre me desafiava a ser e fazer mais. Um homem que conseguia ver o outro lado da montanha sem precisar ir lá, um patriota, homem cívico, respeitador, comprometido com o trabalho que só fez na vida trabalhar, bairrista, apaixonado por Cachoeiro e muito preocupado com a geração de emprego. Nunca tirou sua empresa daqui e nunca deixou de morar aqui. Ele olhava as coisas de perto, desde as mais simples. Embarcava nos ônibus e conversava com os passageiros, perguntando se estavam satisfeitos e se tinham sugestões para melhorar o serviço. Não tem como não admirá-lo. Perdi meu pai aos dez anos e o Sr. Camilo foi um grande amigo, conselheiro, um verdadeiro pai, muito mais que um patrão”,Alberto Moreira, funcionário há 45 anos.
“Tenho orgulho de ter participado da família do comendador Camilo Cola. Durante um bom período trabalhei na Itapemirim Turismo. Nossos sentimentos em nome da família Lima e Herkenhoff. Que Nossa Senhora o receba de braços abertos. Um ícone de nossa cidade que vai deixar saudades”.Willian Lima, jornalista, radialista e ex-funcionário do grupo nos anos 90.
Falar de Sr. Camilo Cola é um desafio, um grande Empresário, Político atuante como Deputado Federal, um homem que lutou na segunda guerra mundial e amava seu país, tinha orgulho de ser brasileiro, uma pessoa com uma visão além do nosso tempo e, vale destacar, com uma memória incrível, lembrava de detalhes que encantavam as pessoas. Vai deixar muitas saudades, foram anos de convivência e ensinamentos, em eventos, viagens nacionais e internacionais, do passado até o presente, enquanto estava entre nós. Sr. Camilo Cola deixou um legado de luzes e cores na “Estrada da Vida” de muitas pessoas pelo Brasil a fora, como pessoa e também no setor de transportes. Sua perda está sendo muito dolorosa para todos. Com essa simples mensagem quero externar meus profundos e sinceros sentimentos a toda família. Um verdadeiro homem apaixonado pela beleza da natureza, meu amigo Camilo Cola, parabéns pela luz que você sempre mostrou por onde esteve, você foi incrível e intenso, mostrando através dos seus exemplos que sempre se pode ir mais além. Wallace Hull, Fotógrafo pessoal de Camilo Cola.