“Vida que se vive”
Por Lívia Aparecida de Almeida e Sousa
Davi é um menino esperto, curioso e muito ativo de quatro anos. A mãe é aquela guerreira que sustenta a casa como doméstica e ao chegar, cansada, ao lar ainda é dona de casa, mãe, ‘professora’. O pai trabalha como pedreiro o dia inteiro. E, assim, a família de Davi, tão comum entre os brasileiros, vai sobrevivendo os desafios da vida.
Davi deveria estar começando a ser alfabetizado, mas veio a Pandemia, escolas se fecharam. Agora são aulas on-line. Mas quem não tem meios eletrônicos (celular, tablet, computador, notebook…)? Ah, a solução de muitos municípios foi de disponibilizar o conteúdo impresso em apostilas. Basta os responsáveis buscarem nas escolas (semifechadas). Mas será que Davi consegue acompanhar sozinho o Ensino Remoto Emergencial que se propõe?
Diante da cena narrada acima, podemos nos questionar: quem ficará em casa com Davi, já que seus pais trabalham o dia inteiro fora? Quem ajudará Davi a acessar seu material? Quem ajudará Davi a ler as apostilas e aprender novas lições? Será que estudar está separado das contingências da vida?
Não é possível desconectar a vida que se vive ao processo e ao ato de educar para as relações com o outro. Como afirma a psicóloga e educadora Anna Stetsenko (2019), “ nós não estamos meramente ‘no’ mundo; nós somos o mundo, porque estamos diretamente implicados em sua dinâmica como seus co-criadores”. Por isso, o convite à reflexão sobre que tipo de educação estamos vivendo neste tempo e espaço.
Por causa de um vírus que veio do outro lado do mundo, mudamos nossa rotina e fomos obrigados a adotar medidas para que as nossas crianças e adolescentes pudessem continuar “estudando” em suas casas. Hoje, observamos alguns resultados desastrosos, porém difíceis de se evitar: aumento de violência doméstica; abuso sexual com menores; deficiência cognitiva e emocional por falta do convívio social; entre outros registrados nas mídias em todo o país.
Por outro lado, há um Projeto de Lei (PL 3179/2012) que desobriga os pais de levarem seus filhos para as escolas, autorizando o “ensino domiciliar” na educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e altera os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse Projeto foi proposto em 2012, porém agora está em votação. Essa intenção de desobrigar os pais a levarem os filhos para escola pode ter consequências ainda mais desastrosas do que essas que estamos presenciando na Pandemia. Quantos Davis ficarão sem escola? Sem proteção? Sem convívio com outras realidades? Quantos pais estão preparados para ensinar seus Davis?
Essas questões não dizem respeito a uma parcela da população brasileira. A vida que se vive é coletiva, plural, contraditória, cheia de fragmentos socioculturais, por isso há a necessidade de uma formação global, multicultural e integradora do cidadão para agir no mundo com consciência crítica e reflexiva, pois cada um de nós é o próprio mundo. Desse modo, deixo esse convite para se colocarem no lugar de Davi, a fim de enfrentarmos esses e outros Golias que se alevantam neste mundo em descontrole.